Um relatório da Polícia Federal (PF) indicou que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), recebeu pagamentos indevidos em, pelo menos, sete oportunidades, entre 2017 e 2019.

No período, Castro ocupou os cargos de vereador e vice-governador do estado. Os pagamentos somados chegam a R$ 326 mil e US$ 20 mil.Castro nega as acusações, que classifica como “infundadas, velhas e requentadas” (veja o que mais diz o governador na nota no fim da reportagem).

A investigação da PF foi citada na decisão do ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre a autorização de mandados de busca na casa de Vinícius Sarciá, irmão de criação do governador do Rio de Janeiro.

“Há indícios suficientes da prática de crimes, cuja dinâmica envolve a atuação de Cláudio Castro como o agente político apoiando a atuação ilícita das pessoas jurídicas comandadas por Flávio Chadud e Marcus Vinícius Azevedo da Silva, na execução de contratos públicos”, escreveu o ministro do STJ.

O ministro destacou ainda que Castro recebeu propina em dinheiro vivo em casa, no estacionamento de um shopping, na casa de um assessor e na sede de uma empresa com contratos com o Estado. Segundo o relatório, Castro também sacou propina nos Estados Unidos, durante uma viagem à Disney, depois que o suposto suborno foi depositado pelo empresário na conta bancária do atual governador no Brasil, segundo a PF.

Mensagens suspeitasA Globonews teve acesso ao conteúdo da decisão do STJ, que revela as trocas de mensagens em que, segundo a polícia, Castro combina com dois empresários acusados de corrupção a entrega das propinas. Alguns desses trechos foram reproduzidos pelo ministro Raul Araújo na decisão.

Em uma dessas ocasiões, em 2019, quando Castro já era vice-governador, a decisão cita o empresário Marcus Vinícius Azevedo da SIlva, preso em julho de 2019, acusado de participar de um esquema de corrupção na Fundação Leão XIII, órgão do governo responsável por projetos de assistência social.

De acordo com o relatório, em conversa com um operador financeiro, Marcus Vinícius diz: “Preciso de R$ 80 mil pro fim do dia de amanhã”. O operador responde: “Tenho 80 no cofre, se você quiser consigo te entregar isso hoje ainda”.

Nas conversas, segundo o documento, Marcus Vinícius marca um encontro com Cláudio Castro para o dia seguinte: “Assim que sair da vice-governadoria”, diz o empresário. Na noite seguinte, Castro avisa para Marcus: “Saindo do palácio agora”.

Vídeo grava Castro e empresário

Em sua decisão, o ministro Raul Araújo citou uma visita do então vice-governador ao empresário Flávio Chadud, em julho de 2019, em um shopping da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.

Flávio é dono da Sevlog, empresa que tinha contratos milionários com a Fundação Leão XIII. Depois que Castro assumiu o cargo de vice-governador, no início de 2019, a fundação passou a ser subordinada a ele.

O ministro escreveu na decisão que “as câmeras registraram o momento em que Cláudio Castro chega ao local, às 9h15, sendo recebido por Flávio Chadud, oportunidade na qual o primeiro portava uma maleta aparentemente vazia”.

Raul Araújo segue: “Ao saírem do local, às 10h33, as imagens registram nítida diferença de volume na maleta, a alicerçar a conclusão pelo provável recebimento de vantagem indevida por parte de Cláudio Castro”.

A suspeita da Polícia Federal é que o valor da propina seja de R$ 100 mil.

Vantagens indevidas

Segundo o relatório da PF citado pelo ministro do STJ, “a hipótese criminal é de que Cláudio Castro teria recebido vantagem indevida, dhinheiro em espécie, em troca de sua atuação na ordenação de despesa de pagamento de nota fiscal da empresa Servlog em execução fraudulenta de contratos públicos celebrados com o Estado”.

Um dia após o encontro com Castro, Flávio Chadud foi preso na Operação Catarata, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). O empresário foi acusado de participar de um esquema de corrupção na Fundação Leão XIII.

A decisão do STJ lista ainda outros episódios envolvendo o atual governador do Rio de Janeiro.

“Em contexto indicativo da referência a pagamentos indevidos, os envolvidos utilizam, diversas vezes, da expressão “relatório””, analisa o ministro Raul Araújo.

Propina quando vereador

Em outro trecho da decisão, o ministro reproduz uma troca de mensagens de abril de 2018, quando Castro ainda era vereador do Rio. Segundo o documento, Castro vinha conversando com o empresário Marcus Vinícius. Ele determina que o operador financeiro “saque 40k (fim daquele compromisso antigo)”.

Três dias depois, ainda segundo a decisão do STJ, Castro fala para Marcus Vinícius: “Fiquei de te encontrar na sexta, mas nem consegui”.

“Me avisa o dia essa semana”, escreveu Castro

Marcus Vinícius então responde, de acordo com o relatório: “Já está comigo”, indicando que o encontro envolvia a entrega de algo, como analisou o ministro na decisão.

“O encontro apenas pôde ser realizado em 18/04/2018, quando Marcus Vinícius convida Cláudio Castro para tomar um café em sua residência, destacando que o ‘relatório esta[…] aqui comigo para eu lhe mostrar’, o que é aceito por Cláudio Castro”, escreve o ministro do STJ.

Propina em 2017

Outro caso que aparece no relatório da PF aponta que houve pagamento de propina para Castro, em novembro de 2017. Na conversa analisada, Marcus Vinícius faz um pedido ao operador financeiro:”26 para hoje, não esquece”.

O operador responde: “Já to indo para a rua. 10h começo sacando”.

O ministro Raul Araújo escreve:

“No mesmo dia, às 16h09, Marcus Vinícius questiona a Rafael Teixeira se ‘conseguiu sacar tudo’, informando depois que ‘Cláudio está aqui'”.

De acordo com a decisão do STJ, o operador respondeu que chegaria em cinco minutos, às 17h26. O ministro, então, completa:

“Em paralelo, às 17h47, Marcus Vinícius envia mensagens a Cláudio Castro, questionando onde o último se encontra e organizando um ponto de encontro ‘na frente da C&C’, nome de uma loja localizada no Shopping Via Parque, próximo ao Shopping Downtown”, escreveu o ministro.

Depois de detalhar todas as suspeitas apuradas pela Polícia Federal, Raul Araújo afirmou que há “indícios suficientes da prática de crimes”.

O Superior Tribunal de Justiça autorizou no mês passado a quebra do sigilo bancário, fiscal e de dados do governador Cláudio Castro. Vinícius Sarciá, irmão de criação do governador, foi alvo de busca e apreensão.

O que dizem os envolvidosEm nota, o Governo do Estado do Rio de Janeiro disse que “a defesa do governador Cláudio Castro informou que não teve acesso ao conteúdo da decisão do STJ, e reitera que a delação de Marcos Vinícius, réu confesso, é criminosa e já é objeto de nulidade junto aos tribunais superiores, em razão de sua absoluta inconsistência”.

“Vale ressaltar que as informações não passam de acusações infundadas, velhas e requentadas, muitas delas já exaustivamente publicadas pela própria mídia”, dizia a nota.

A defesa de Flávio Chadud declarou que o empresário não foi alvo da investigação, nunca recebeu depósitos e muito menos fez pagamentos para qualquer autoridade.

Os advogados do empresário disseram ainda que “são afirmações fantasiosas e indignas de honesta consideração”.

Já Vinícius Sarciá Rocha, irmão de criação do governador Cláudio Castro, não respondeu ao nosso contato.

Fonte: G1