As festas voltadas para um público “mais maduro” têm ganhado cada vez mais força nas noites do Rio de Janeiro.Com muita gente optando por novos tipos de relacionamento, por não ter filhos ou por simplesmente ficar solteiro, além dos divorciados, produtores perceberam que havia uma demanda reprimida e passaram a investir em eventos direcionados ao pessoal 35+.Além de festas novas, com nomes já sugestivos para a temática – Jovens Idosos e Terapia, por exemplo –, a onda deu nova vida a eventos de sucesso nas primeiras duas décadas dos anos 2000, como Bailinho, Coordenadas e Modinha.“Essa galera já está aí! Tá sabendo viver, tá na rua, na pista, tá dominando os aplicativos de date… Há uma grande demanda desse público que o entretenimento está descobrindo finalmente”, acredita Rodrigo Penna, ator e DJ, criador da festa Bailinho.Criado em 2007, o Bailinho teve várias fases. A mais recente recomeçou no ano passado após seis anos de hiato, e tem reunido antigos frequentadores do evento – boa parte já na casa dos 40 ou 50 anos.
Sucesso de 2010 a 2017, a Modinha retornou em 2022, para a alegria de um público que já era fiel à marca e aos DJs João Rodrigo e Chu.
“Não aguentava mais ficar tocando para público mais novo, já não me dava prazer. Quando eu toco as coisas que eu gosto é muito melhor e, como produtor, eu queria reunir a minha galera. Juntou a vontade com essa lacuna que tinha no mercado e deu muito certo. O mais importante é essas pessoas chegarem, olharem em volta e verem seus iguais, se reconhecerem”, conta João.
Com o sucesso do retorno, João Rodrigo já criou mais duas festas para a mesma faixa etária, mas com outras inspirações musicais: Salve Simpatia e Pa90de.
‘Diferença no banheiro no dia seguinte’
Outro DJ “da antiga” – para os mais jovens – que resolveu investir em uma nova marca voltada especificamente para esse público é Dodô, que há anos comanda a Coordenadas e a Fofoca.Em março, ele produziu a primeira edição da festa Jovens Idosos, no Vizinha 123. Os sinais de maturidade dos frequentadores vai além da época das músicas, segundo Dodô.
“Você organizar uma festa para o público 35+ é muito melhor! É só ver a diferença no banheiro no dia seguinte: se você faz uma festa para a garotada, o banheiro tá horrível – entope vaso e etc. O público 35+ não faz isso e também sabe beber melhor, se relacionar melhor com o DJ e com as músicas.”
Mais qualidade, menos perrengue
Qualidade é um fator apontado por todos os DJs como essencial para as festas voltadas a esse público.O DJ Janot, que já tocou nos principais points da noite carioca e, desde 2019, produz a Terapia, falou sobre a escolha do local do evento que, atualmente, acontece no Vista Bar, no segundo andar do Maguje, no Jockey Club.
“É um lugar arejado, que tem uma vista bacana, uma estrutura boa de lounge, comidinhas, drinques… Tem todo um conforto que, quando a gente vai envelhecendo, acha natural ter direito. Em décadas passadas, o perrengue fazia parte porque a gente estava ali, às vezes, com outros interesses também. Fazia parte essa coisa roots, mas agora não”.
Lugar pra sentar entre um set e outro, fácil acesso e até alguns mimos a mais fazem parte da experiência dos eventos 35+. A última edição da Modinha, em março, disponibilizou até um mini salão de beleza e massagem para as frequentadoras.
“É um público que não quer ficar horas em uma fila, que quer sentar de vez em quando, que não se importa de pagar mais caro para ter conforto, quer a música que fala para ele. Você vai nas nossas festas e sabe que vai ser tratado da forma que gostaria de ser tratado saindo de casa e indo para uma noitada. Vamos ser honestos: quanto mais velho a gente vai ficando, fica mais seletivo”, diz João Rodrigo.
Começo mais cedo e nada de ficar até amanhecer
Outro ponto em comum em todas as festas citadas é o horário. Muitos frequentadores têm filhos para cuidar pela manhã, acordam cedo para trabalhar e já chamam a ressaca de “dengue”. Por essas e outras, os produtores perceberam uma demanda de começar os eventos mais cedo, por volta das 21h.
“A Terapia é uma festa que começa cedo. Na Brazooka, no auge, entre 2000 e 2011, a casa abria 23h e a pista enchia lá para 0h30 e ia até 6h. Agora, quando chega 22h, a pista já está bombando e a festa acaba 3h; as pessoas não voltam tarde para casa”, explica Janot.
Nova realidade
A nova realidade brasileira, com a população envelhecendo e com o número de solteiros maior que o de casados – segundo o último censo do IBGE, atualmente, são 81 milhões de solteiros contra 63 milhões de casados –, explica o potencial do segmento.
As mudanças são ainda mais fortes para as mulheres, acredita o DJ Dodô:
“Hoje, a mulher de 40 é uma loba, fica mais gata do que quando tinha 20. Mais gata e mais independente, porque tem o próprio emprego, o próprio dinheiro. Nas festas há muitos grupos de amigas. Normalmente, elas só saem uma vez por mês, a cada 2 meses e, quando se encontram, querem muito apreciar o tempo delas juntas. Não é como o jovem que sai todo fim de semana, que acha que a vida vai ser eterna.”
Etarismo: ‘Cadê a moçada? Só tem velho’
Apesar do crescimento da proposta, nem tudo são flores. Rodrigo Penna conta que, ao retomar o Bailinho, percebeu – até de alguns de seus próprios frequentadores – um preconceito em relação ao fato de o evento ter, predominantemente, pessoas mais velhas.
“Tem muita gente que frequentava a festa antes e que parece que não sabe que está envelhecendo ou parece não saber envelhecer. Quando eu comecei o Bailinho, eu tinha 30 e poucos anos. Agora, eu vou fazer 50. Eu vi muito latente, diante dos meus olhos, muita gente falar: ‘nossa, mas cadê a moçada? Só tem velho’. Foram cenas muito engraçadas, mas foi meio assustador. Tem um etarismo muito doido rolando por aí”, conta.
Fonte: G1