A certeza da vitória total contra o Hamas, repetida insistentemente pelo premiê Benjamin Netanyahu durante os seis meses de guerra na Faixa de Gaza, soa a cada dia como balela.
Sua campanha militar para vingar o massacre de 1.200 pessoas e o sequestro de outras 240 no sul do país se revelou catastrófica e levou Israel a um beco sem saída: embora enfraquecido, o Hamas não foi, nem será, extinto; metade dos reféns ainda se encontra em Gaza —sabe-se lá em que condições— e seu retorno deixou de ser prioridade para o governo.
Se depender do primeiro-ministro, a prometida vitória não ocorrerá em breve, muito menos o cessar-fogo exigido pelo Conselho de Segurança da ONU. O premiê trata de buscar um pretexto para adiar o fim da guerra que matou pelo menos 32 mil palestinos, segundo os cálculos feitos pelo Hamas, e transformou o enclave em terra arrasada.
Dia sim, dia não, ele acrescenta a conquista de Rafah, onde se encontram mais de 1,3 milhão de palestinos deslocados, a seu plano para a vitória final, embora os preparativos para esta empreitada estejam estancados. A sobrevivência política do primeiro-ministro e da coalizão fundamentalista que ancora o governo ruma para o colapso no pós-guerra.
O confronto desencadeado pela ação terrorista do Hamas produziu um desastre humanitário, pela dificuldade de acesso da população palestina a mantimentos. De acordo com relatório da entidade Integrated Food Phase Classification, a insegurança alimentar afeta 1,1 milhão de habitantes em Gaza, e a fome é iminente nas províncias do Norte.
“É preciso parar de restringir a ajuda humanitária, parar de matar civis e trabalhadores humanitários e parar de usar os alimentos como arma. Não há mais vidas inocentes perdidas”, desabafou o chef José Andrés, fundador da World Central Kitchen, após sete agentes humanitários da ONG serem mortos por ataques israelenses.
Em nome da segurança interna, Netanyahu perdeu a guerra da narrativa já na primeira fase da justificada ofensiva em Gaza. O antissemitismo no mundo floresceu e termos como genocídio e Holocausto passaram a ser relativizados.
O premiê enfrenta atualmente a revolta dentro e fora de Israel. A unidade nacional gerada pelo massacre brutal do Hamas em solo israelense dissipou-se. A defesa da saída de Netanyahu e a convocação de eleições antecipadas no meio de uma guerra voltaram a ser alardeadas em protestos de israelenses, como ocorria sistematicamente antes do massacre do Hamas.
A invasão de Gaza decorreu sem um plano do governo sobre o dia seguinte ao fim da guerra, embora a coalizão fundamentalista do premiê defenda vigorosamente a reocupação do território. A tensão entre colonos e palestinos se acirrou em outra frente de batalha, na Cisjordânia, impulsionada pela ação de ministros extremistas do governo.
As relações entre Israel e seu aliado mais poderoso chegaram ao nível mais baixo, após desafios sistemáticos de Netanyahu a Joe Biden. No último contato entre os dois, nesta quinta-feira, o presidente americano falou duro com o premiê e condicionou o apoio a Israel à proteção de civis em Gaza, embora os EUA ainda mantenham em dia o fornecimento de ajuda militar ao país.
Em seis meses, as tragédias se multiplicaram — mortes de civis, reféns, jornalistas e funcionários de organizações humanitárias; relatos de estupros de mulheres sequestradas pelo Hamas; e ataques a hospitais palestinos pelas forças israelenses em busca de terroristas.
Com tudo isso, o ponto de inflexão para o desfecho dessa guerra, a maior desde a independência de Israel, ainda parece estar muito distante e a anos-luz da chamada solução de dois Estados.
Fonte: G1